Condições de Existência
por Tadeus Mucelli
Em 2018, realizamos a 1ª edição da Bienal de Arte Digital, quando levamos às cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte trabalhos artísticos, reflexões e modos de fazer para uma audiência de mais de 70 mil pessoas sob o tema Linguagens Híbridas.
Naquele momento, ao iniciarmos o desenvolvimento de uma Bienal com foco em arte, ciência e tecnologia, sob o adjetivo “Digital”, tentamos elucidar que estávamos em um campo de produção e conhecimento que se misturavam sem a necessidade de fronteiras, por meio de uma sociedade cada vez mais pós-digital.
Temas como o meio ambiente, que percebemos, vivemos e o alteramos por meio de biotecnologias e de tecnologias digitais, ciência e arte em contexto biocíbrido habitaram nossa galeria expositiva, seminário, oficinas e apresentações artísticas.
Também foram tratadas outras diversas agendas, dentre elas economia, política, relações sociais e tecnologias. Ao final do evento, lançamos o tema Condições de Existência em referência a edição posterior (2022).
Em um hiato forçado por conta dos acontecimentos globais devido à pandemia de covid, surgiram muitos novos arranjos nas nossas vidas e nas sociedades, envolvendo todas as esferas possíveis de nosso cotidiano “viver”.
Como se fosse um acaso, o tema anteriormente escolhido ao final daquele ano, Condições de Existência, parecia ter sido uma espécie de antevisão do que o mundo estava prestes a experimentar enquanto condição social, política e econômica. Mas, retirado o “acaso”, realmente não havia nenhuma predição do que estava por vir, ainda que soubéssemos dos riscos enunciados por especialistas de diversas áreas sobre o mundo que habitamos.
Condições de Existência trata, na verdade, de uma continuação de pensamento, de uma escrita coletiva e propositiva, na qual convidamos artistas, cientistas, pensadores, criativos de diversas áreas, a compilar um extrato temporal de quais são as nossas condições de existir no mundo.
Uma bienal é como um livro que, através de capítulos, tentamos dar voz a narrativas e visões, formas de “ser” e “ver” no mundo com as coisas sencientes. E quando dizemos “coisas” estamos incluindo uma ontologia digital (da vida) em interseção ou sobreposição a ontologia humana de estar no mundo, Onde formas, processos e modos de existir estão em convivência quase que onipresentemente com o que entendemos por senciente, numa aproximação além de biorgânica e biotecnológica. Um olhar mais holístico que considera as terceiras partes (algoritmos, computação inteligente, formas digitais de “vida”) muito presentes em nosso cotidiano.
Se tratamos das Linguagens Híbridas como a impossível separação entre arte, ciência e tecnologia, produtoras de ferramentas capazes de fabricar novas realidades, novas experiências de vida, em Condições de Existência buscamos compreender, pensar e propor as formas de coexistência. Como coexistir, “viver”, “ser” na dimensão de um mundo biotecnológico e pós-digital?
O questionamento é abrangente quando se dá conta de que a existência se dá sob perspectivas distintas e múltiplas. Os olhares sobre o “como existir” e suas “condições” são de uma forma um infinito exercício da própria maneira de perceber e viver o mundo.
Existir, coexistir. Condições de existência.
Quais são as formas de existência possíveis em nosso presente?
Quais as condições humanas frente ao mundo técnico e digital?
O quão estamos inseridos para uma ontologia digital da vida que redireciona o sentido humano de ser e viver?
No avanço das sociedades biotecnológicas e digitais onde coexistimos?
Arte, ciência e tecnologia são campos ricos do conhecimento e da produção humana. Sobretudo, são lugares de nossa existência e produzem formas e sentidos de viver. Somos imensamente diversos, se considerarmos que as condições de existência se escaldam desde a geografia, política, economia, culturas, costumes e mentalidades. Mas na aproximação de um um mundo habitado por dados, informação, inteligência artificial, máquinas inteligentes e relações biocíbridas estamos em uma rede muito mais complexa do “estar no mundo”. As humanidades digitais, como campo de estudo, vêm tentando mitigar os efeitos disso e potencializar nossa forma de lidar com formas de existir e operar no digital, por exemplo.
Em sua segunda edição, a Bienal de Arte Digital busca proposições para as adversidades mas também em meio as potencialidades das condições de existir, trabalhos artísticos-científicos com o uso de tecnologias digitais nas mais diversas formas de expressão como discursos, textos, imagens, formas audiovisuais, virtuais, além de fazeres diversos, que possam integrar um capítulo importante de nossa produção artística, intelectual, social e política nesse momento.